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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sobre Segurança Pública no RJ - Leitura interessante

UMA AULA SOBRE A SEGURANÇA NO RIO

“A gente não vai se entregar jamais”. A indignação e a sinceridade do secretário de Segurança Pública do RJ José Mariano Beltrame com a derrubada do helicóptero da PM por traficantes no sábado passado deram o tom de um debate ocorrido ontem à noite com representantes da sociedade civil. “Vamos fazer da queda desse helicóptero nosso 11 de Setembro da segurança pública do Rio e do país”, disse Beltrame. Para que haja um antes e um depois, e, até a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Rio se torne uma cidade em paz. O 21º encontro do OsteRio – uma iniciativa conjunta do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS), da Light e da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) que visa discutir o futuro do Rio – ocorreu no restaurante de Ipanema, Osteria dell’Angolo. O fórum acontece todas as
segundas-feiras às 20h. Muitos na plateia receavam que Beltrame cancelasse o evento devido ao caos que se instalou na Zona Norte após a invasão do Morro dos Macacos por traficantes rivais, que resultou na morte de três PMs e três moradores supostamente inocentes. O encontro foi mantido. Apenas o foco se aprofundou.
O tema central de sua palestra seriam as UPPs – as policiais pacificadoras nas favelas. Com a queda do helicóptero, o tema passou a ser a guerra. “Guerra” foi uma palavra repetida várias vezes pelo secretário e os delegados presentes. Na primeira vez, ainda contido, o gaúcho Beltrame pediu “ desculpas pela expressão”. Mas depois se soltou. E pediu que a queda deste helicóptero abra os olhos da sociedade em todo o país para o que está acontecendo no Rio:
“Só no Rio existe fuzil e rifle. Só no Rio existe metralhadora antiaérea. Então o país todo precisa saber que, para enfrentar fuzis 762, 556, e .30, precisa haver um nivelamento das forças de combate”, disse Beltrame em palestra que durou duas horas. “Precisa haver uma paridade. Precisamos redimensionar o armamento e os recursos das forças da ordem. Precisa entrar grana. Mas, de que adianta me darem R$ 10 milhões ou R$ 100 milhões, se não posso gerenciar essa verba? É para gerenciar as prateleiras com armas não letais? Só posso equipar meus policiais com spray de pimenta? Eu quis comprar carros blindados de Israel e da África do Sul. Fiz o pedido. Ah, não pode, porque esses veículos têm características de guerra. E isso que vivemos no Rio é o quê? O governo federal precisa assumir sua responsabilidade, seu compromisso. Não adianta nada, um dia depois de bandidos derrubarem um helicóptero e matarem três PMs, nos telefonarem de Brasília oferecendo mais um helicóptero blindado. Nós recusamos. O que vai resolver mais um helicóptero blindado? O combate ao narcotráfico é competência do governo federal. Em nenhum lugar do mundo polícia estadual é encarregada de combater narcotraficantes. Ainda mais traficantes com fuzis importados que entram por nossas fronteiras e nossos portos. O que a população não entende é que o governo federal não tem de ‘ajudar o Rio’ a combater o narcotráfico armado. É o estado do Rio que está ajudando o governo federal em algo que é compromisso de Brasília”.
A pacificação
“No Rio existem hoje quase 1.000 favelas, com 1 milhão 400 mil moradores, onde a taxa de natalidade é seis vezes maior do que no asfalto. Muitos deles são carentes de tudo. De cidadania, títulos de propriedade, luz, esgoto, educação, saúde. A pacificação, iniciada em favelas menores, tem três objetivos:
1) Retomar o território, pois um artista não pode ser obrigado a pedir permissão para fazer um show, a policia não pode ter medo de subir, e o cidadão honesto não pode ficar à mercê do traficante para caminhar.
2) Restabelecer a cidadania, onde direitos se associarão a deveres , e ter luz significará pagar pela luz, ter TV a cabo significará pagar pelo serviço. E o morador saberá que não pode ser expulso dali por ser proprietário do imóvel e pagar impostos.
3) Fazer uma ocupação definitiva, social, e não apenas de Forças Armadas que entram para fazer um serviço e saem logo depois. Isso significa ter escola, posto médico, lazer, ginásio esportivo. Para isso acontecer, é preciso ter uma polícia que defenda os interesses do morador dentro da lei, uma polícia não corrupta, mas também empresas que invistam nessas comunidades para que elas se tornem ‘bairros’ e deixem de ser ‘territórios’ disputados por gangues e facções. Em dezembro, saem da Academia mais 600 novos policiais, treinados para essa função de “pacificadores”. Em abril, serão mais 700. São 1.300 policiais sem vícios, educados, sem passivo, um investimento do governo estadual e, com ajuda da prefeitura, que está pagando gratificação extra aos recém-formados. Esses policiais poderiam estar nas ruas, prevenindo assaltos. Mas irão para as favelas porque a pacificação é nossa prioridade. Estamos calculando o tombo que o tráfico levou até agora”.
Pesquisas nas favelas
SAIBA MAIS
“ Fizemos pesquisas no Dona Marta e na Cidade de Deus com 1.200 pessoas. Perguntamos: se os traficantes voltassem a agir livremente, você apoiaria uma intervenção FORTE da policia? No Dona Marta, 87% responderam sim. Na Cidade de Deus, 93% disseram sim. Outra pergunta: o que é mais importante ter nas favelas, qual a maior prioridade para você? Resposta esmagadora: 1) ensino profissionalizante 2) geração de empregos. É por isso que faço um apelo aos empresários. Invistam nessas áreas. O estado não pode se omitir mas o setor privado também não. Tanto a Comlurb, quanto o setor de hotelaria, os restaurantes, todos nós precisamos começar a olhar para as favelas pacificadas como bairros com oportunidades de crescimento. Isso porque, se os cidadãos não tiverem um mínimo de demandas atingidas, essa pacificação vai toda por água abaixo. Os moradores estão esperando que os serviços entrem ali, públicos e privados. O compromisso é de todos, também dos políticos e das ONGs. Porque quase ninguém sobe, ninguém vai às favelas. Na Cidade de Deus, eu via cadáveres e crianças dividindo o mesmo espaço, embaixo de um poste com propaganda de um candidato. Hoje uma música que toca violoncelo no Teatro Municipal e que tinha só três alunos, passou a receber dezenas de matrículas depois que levamos para tocar lá a Orquestra Sinfônica. É preciso dar perspectiva para a infância”.
A metodologia
“Hoje, são 43 favelas que estão no programa de pacificação. O objetivo é chegar a 100 – que foram identificadas por nós como as mais conflagradas, as mais criticas. No Dona Marta, a capitã que está ali foi pedida pelo COI e não pela gente. Foi o Comitê Olímpico que pediu uma mulher no comando do Dona Marta. Esse programa começou e terá de continuar para sempre. Nenhum político vai ser burro de interromper a pacificação de favelas (???- SERÁ???), pois isso vai tirar votos dele. Sem pacificação, o traficante com cordão de ouro continuará a ser a referência das crianças da favela – porque serão eles a mandar em todos, ou dar as armas para adolescentes assaltarem, “fazerem um ganho” nos moradores do asfalto. Em resumo, a política de pacificação tem uma meta: resgatar a autoridade do estado democrático. De que adianta prender criminosos e apreender armas se as autoridades precisam pedir para entrar em territórios? Não se iludam. Não estamos nas favelas para acabar com o tráfico de drogas, pois isso não vai acabar nunca enquanto houver consumidores. Tem tráfico na praia, nas esquinas da Zona Sul, zona nobre. Estamos ocupando as favelas para livrar a população local do desfile ostensivo de bandidos armados com metralhadoras, rifles e fuzis. Estamos ali para acabar com o poder dos traficantes sobre o dia a dia, o comércio, a vida das famílias. Estamos ali para acabar com a política do fuzil e não com o tráfico. É esta ‘política do fuzil’ que faz do Rio de Janeiro um estado diferente dos outros”.
As múltiplas funções da polícia do Rio
“Nossos policiais exercem três tipos de função:
- Prevenção e investigação
- Combate ao narcotráfico.
- Proximidade com a comunidade (UPPs).
Claro que isso está errado. Eu adoraria só me ocupar, como todas as polícias em paises desenvolvidos no mundo, da prevenção e investigação. Até em outros estados do Brasil, é assim. No Rio Grande do Sul, eu fui criado com meu revólver 38 nas duplas Pedro e Paulo, que aqui no Rio se chamam Cosme e Damião. Aí seria fácil manter o atual efetivo do Rio. Em São Paulo, a polícia só briga com o PCC. No Rio, temos de combater três facções criminosas do narcotráfico e mais a milícia formada por ex-policiais, tão criminosa quanto os traficantes e mais difícil de prender. Não há nem lei para prender miliciano. Por isso, se já aumentamos o total de policiais de 36 mil para 43 mil, agora precisamos aumentar para 60 mil. Aí vão dizer que, proporcionalmente, este é um número grande demais. Mas, para pacificar o estado, precisamos de 60 mil, se não faltarão policiais nas ruas ”.
Progressão da pena
“A sociedade precisa colocar em discussão o regime de progressão da pena, que liberta um criminoso de bom comportamento depois dele cumprir um sexto de sua sentença se tiver bom comportamento na prisão. Por que não exigir que cumpra nove décimos da pena? Os senhores acham que o infeliz que derrubou esse helicóptero no morro, que poderia ter caído em cima de um asilo, de uma escola ou da própria casa desse infeliz, os senhores acham que o STF pode reduzir a pena desse bandido que matou três PMs com uma metralhadora? Cadê o Polegar? Cadê o Magno da Mangueira? Cadê o Matemático? (Magno foi solto depois da progressão para o semiaberto, mas foi preso novamente em 2004 e está em Bangu 1) Desculpe o desabafo, mas não dá para continuar assim . De cada 10 que a polícia estadual do Rio prende , oito são reincidentes . Será por que o nosso sistema penitenciário recupera o preso para a sociedade? Coloca-se esse criminoso em regime semiaberto porque ficou bonitinho enquanto estava preso, e no primeiro dia de liberdade ele some de volta na sua comunidade. O Rio de Janeiro prende 3 mil pessoas por mês. E não há lugar para todas elas. Temos agora um convênio com o BID para construir casas de custódia, onde há menos chance de haver baderna do que nas delegacias”.
Armas
“Precisamos redimensionar nossos recursos. Eu quis comprar coletes balísticos para os policiais, mas não autorizaram porque vinham de fora do país . As armas dos bandidos do Chapéu Mangueira e Babilônia (Leme) têm um alcance de 4 mil metros. Então os senhores têm medo por causa do novo museu ali em Copacabana (no lugar da discoteca Help)? É, estão certos. Porque fizemos um estudo da abrangência dos tiros dos fuzis e também fizemos um estudo do aparato urbano dos bairros que se encontram sob o alcance dos armamentos dos traficantes. Há escolas, bancos, casas, museus, tudo ali no raio do poder de destruição dos bandidos. Bala perdida, conflito de gangues... Isso não afeta apenas a população da favela. A sociedade precisa ter consciência de que não são somente os moradores das favelas que podem ser mortos numa guerra assim. Não nasceu policia comunitária que possa combater os nossos narcotraficantes com pistolinha e spray de pimenta. E ainda tem a burocracia toda: o Bope tem que pegar equipamento no almoxarifado. Levei um ano para comprar um helicóptero blindado para a Polícia Civil por exigência de licitação e a única empresa que apareceu foi a que tínhamos sugerido. A gente apreende 16 mil armas por ano. Dizem que estou enxugando gelo. E se não enxugar? Tenho de continuar enxugando. Mas precisa parar de entrar arma. Arma não tem perna, muito menos a droga. Se entra, é porque alguém traz. Tenho 100 mil armas apreendidas no Centro do Rio. Não posso fazer nada com elas. Nem usar, nem destruir. Não posso destruir porque o MP precisa mostrar as armas nos processos”.
Corrupção dos policiais
“Na Colômbia, expulsaram 15 mil policiais da corporação acusados de corrupção quando decidiram fazer a limpeza nas forças de segurança. Eu perguntei ao Hugo Acero (ex-secretário de Segurança colombiano) como eles conseguiram fazer isso em tão pouco tempo. ‘ Lei de exceção’, me respondeu ele. A Secretaria de Segurança tinha o poder discricionário. Suspeitava, acusava, julgava...e rua. No Rio, foram necessários dois anos para se condenar o ex-chefe de polícia. Para eu processar policiais por corrupção, preciso de provas, denúncias bem fundamentadas. E mais: a corrupção não é policial apenas, é do sistema. Há corrupção quando há gente corrompendo. Então, o dono do BMW que é parado por um policial e que não pagou seu IPVA dá uns “50 real” para o policial e sai feliz da vida, ainda rindo no bar com os amigos, dizendo que se safou da multa com isso. Além de a corrupção estar impregnada na sociedade e em várias instituições, existe uma enorme dificuldade de punir como se deve. É fácil ver deputado e prefeito preso por acaso? Se os senhores dizem que os policiais acusados de corrupção têm privilégios, são os mesmos privilégios que os senhores terão se atropelarem alguém ou se cometerem algum delito. São recursos e recursos, instâncias e instâncias. O que consigo fazer com um policial que mete uma bala na cabeça de alguém? Temos de respeitar a Constituição. Vamos então mudar as leis. Isso, só a sociedade civil pode fazer. São os legisladores que os senhores elegem. Falam de desvio de armas pelos policiais. Claro que tem desvio. Muito desvio. Mas, no total, não chega a 0,1% das armas em poder dos traficantes. Nossos PMs estão com borracha nas mãos. E mais, quando apreendemos uma arma brasileira, ela está raspada, não sabemos nem se é do Exército ou da polícia. Só conseguimos saber a procedência específica das metralhadoras e fuzis quando vêm da Bolívia ou das Forças Armadas da Argentina”.
Treinamento e salários da PM
“Os senhores acham que é fácil deixar um policial de noite no Complexo do Alemão ganhando 970 reais por mês e proibir que ele faça bico? Quando, ao fazer segurança para a elite, ele ganha um terço disso numa noite? Não serei eu que tirarei o bico do PM. Claro que temos concursos e treinamentos. No último concurso, havia 25 mil candidatos, 2 mil 500 vagas, e tivemos 800 aprovados”.
Governo federal
“O governo federal é sócio desse problema . O Rio de Janeiro ficou febril por causa da queda desse helicóptero, mas esse é um episódio de todo um processo, iniciado há décadas e que começou a piorar nos anos 80. No dia 28 de dezembro de 2007, logo antes de a gente assumir, a cidade do Rio ficou sitiada pelos bandidos – só não foi derrubado nenhum helicóptero. Então, não me venham com a oferta de mais um helicóptero blindado. Porque não existe meia solução. Não estou dizendo que o Exército tenha de cuidar da segurança pública. O Exército precisa cuidar das fronteiras. O que adianta trazer tropas para o Rio? Esses soldados não têm contracheque do estado do Rio, a família está longe, qual o umbigo deles, qual o compromisso que eles têm com a realidade local das favelas? Se nós todos não nos unirmos e nos mexermos, se não tivermos o apoio do Legislativo e do Ministério Público para que o país enxergue o Rio como é, realmente, esse pessoal virá aqui na janela com o fuzil na nossa cara. Sugiro que a gente faça da queda desse helicóptero nosso 11 de setembro da segurança pública no Rio. Antes e depois.”

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