NÃO SE FAZ MAIS MILITAR COMO ANTIGAMENTE: ÉTICA, DEVOTAMENTO, AMOR A CAUSA. ESTÁ FORA DE MODA EM UM PAIS CHEIO DE CORRUPTOS.
TENENTE-CORONEL WALTHER - "Eu cometi o crime em defesa dos meus comandados"
Quase 17 anos após cercar Prefeitura de Apucarana em protesto por melhores salários, o militar conta detalhes da ação que abalou o Brasil
Fernando Klein
Data: 22 de outubro de 1987. Horário: 10 horas. Cerca de 50 militares do 30º Batalhão de Infantaria Motorizado (BIMtz) desembarcam em quatro viaturas em frente à Prefeitura de Apucarana, a 60 quilômetros de Maringá, cercam o prédio e impedem a entrada e saída de pessoas. Na frente dos homens armados com fuzis e pistolas está o capitão Luiz Fernando Walther de Almeida, de 34 anos.
Acompanhado por um grupo de soldados, ele invade o gabinete e entrega ao assessor do prefeito carta de protesto contra os baixos salários e a deficiência do atendimento de saúde aos militares. A atitude abala o Brasil, fazendo renascer o "fantasma" da ditadura, ainda vivo na memória da população. Imprensa e lideranças políticas da época repudiam a atitude, mas tudo indica que o protesto surte efeito. Na mesma noite, o então presidente José Sarney anuncia, em rede nacional, reajuste de 25% para todos os militares do Exército, Marinha e Aeronáutica. O comando do Exército, porém, diz que o aumento já estava programado.
Data: 26 de janeiro de 2004. Horário: 15 horas. Aos 50 anos de idade, Walther, tenente-coronel da reserva, atua como chefe de segurança do principal shopping do Rio de Janeiro, onde vive com a esposa e três filhos. Do escritório do shopping, fala por telefone sobre o episódio e, pela primeira vez, dá a sua versão sobre a história. Lembrando de todos os detalhes daquela manhã do dia 22 de outubro de 87, ele garante: estava certo. "Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar, negligente da época", afirma. ..........................
Como o senhor avalia as conseqüências?
Me ensinaram nas escolas militares que o militar zela pelas condições de vida digna dos seus comandados, tanto quanto pela manutenção da disciplina e dos deveres castrenses. Eu levei isso ao máximo, talvez além. Eu cometi o crime para chamar a atenção de uma situação injusta e hoje, sem medo de errar, negligente da época. Hoje sou tenente-coronel e sei muito bem o que aquele capitão fez e eu sabia que ele ia pagar por aquilo; eu digo que ele pagou o preço disso.
O senhor faria de novo?
[Hesitação] Olha, só digo que não tenho arrependimento. Já coragem para fazer [pausa], mas tive outras bravatas, na verdade, nunca deixei de ser aquele capitão, não. Eu nunca deixei de ser. É claro que a idade pesa. Até pouco tempo, essa história me emocionava muito, mas o hoje o tempo fez com que esse episódio fizesse parte da lembrança boa da minha vida. Hoje, sou conhecido por aquela atitude. Aquilo que fiz foi realmente ímpeto, coragem e ética, porque decidi contra mim o tempo todo, contra a minha família. O saldo foi positivo. Eu não dediquei ao Exército, apesar de ter dito aquilo naquela hora à tropa. Foi para quem eu comandava; eles sabem que fiz por eles. Quando lembro de certas coisas tenho certeza de que deveria ter feito. O meu subtenente, por exemplo. Ele servia numa cidade e a família noutra. A família estava em Curitiba. Nos 15 anos da filha dele - ele não esquece da festa da filha -, porque não tinha condições financeiras nem o Exército oferecia tratamento para corrigir os dentes da menina, que eram para a frente. Ele não tinha como resolver aquilo e sofria barbaridade por causa disso. Hoje, as coisas mudaram.
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